Liberdade


Eu vejo uma cena e a descrevo.
Eu vejo um homem caminhando e eu faço uma análise.
Analiso conforme as informações que obtenho visualmente.
Eis o que eu vejo:
Vejo um homem numa atividade diária.
Ele está tranquilo, sorri e caminha com serenidade.
Ele saúda com simpatia as pessoas que encontra.
Sua atividade cotidiana o faz pensar que está na mais nobre atitude.
Sua tranquilidade demonstra todo o controle que ele exerce ao prosseguir em seu desempenho.
Ele está certo de que está totalmente certo.
Coitadinho.
Ele não consegue sequer imaginar o mal que está praticando.
A cena que descrevo é um homem que leva um pássaro para passear dentro de uma gaiola.
Em seu entendimento medieval e ultrapassado ele pensa:
Eu amo essa ave!
Eu cuido dela.
Eu descasco laranjas e dou para ela.
Também dou bananas cortadas para ela.
Procuro variações de grãos para que esteja bem nutrida.
Cubro a gaiola e a protejo para que não fique agitada.
O sol faz muito bem a ela, então a levo para passear e ela me presenteia com seu canto.
Eu cuido de sua gaiola.
Eu amo esse pássaro.
Mas não abro a portinha da gaiola.
Eu me justifico e argumento minhas atitudes dizendo que esta ave nasceu em cativeiro.
Para isso nasceu e não possui condições de se sustentar sozinha.
Sem mim ela certamente morrerá.
Todos os seus instintos de sobrevivência estão dormentes
por acostumar-se a receber meus cuidados diários e a acomodação
impede que esse pássaro tome qualquer atitude, pois meu controle sobre
a portinha da gaiola é intimidador.
Eu não o liberto.
Não permito que voe.
Eu amo esse pássaro, sob meu total e absoluto controle/domínio.
Como eu poderia deixá-lo ir?
No fundo eu temo perdê-lo , pois ele possui asas e eu não.
Certamente voará para imensas árvores.
Certamente encontrará frutas silvestres.
Certamente fortalecerá mais e mais as suas asas
e voará para bem longe de mim.
Eu sei que o instinto de sobrevivência está adormecido e não morto.
Eu sei que a domesticação não anulou sua capacidade de voar.
Então eu não o liberto pois ele me pertence
e durante toda vida cuidarei para que fique bem seguro,
longe da sua total liberdade.
A pequena portinha sendo aberta por mim,
será a minha permissão para que voe
e uma vez liberta a ave não vai querer voltar para mim.
Não precisará de minha dedicação diária.
Minhas laranjas e bananas e grãos e passeios serão totalmente inúteis.
Como sobreviverei a tamanha rejeição?
Essa ave que amo tanto apenas voltará para perto de mim se de fato me amar.
Se de fato apreciar a minha companhia.
Se meu sorriso ao vê-la cantar traduzir o que sinto
e minhas mãos abertas permitirem que pouse
sem medo algum de ser aprisionada por meu egoísmo.




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