Apenas fale
parte II

Os sussurros que ouvia, sempre a fizeram parronar consigo secretamente por não saber decifrá-los.
A construção de um sorriso, embuço, trabalhado ardentemente para si mesma, constante ciência de não mostrar quem era.
Um parecer a cercava para proteger a fragilidade da vulnerável alma doce que a trouxe ao mundo.
Minha doce alma elã sempre a fingir.
Provocativa com olhar de sentimentos profundos.
Confissões do espírito aflito.
Confissões do pensamento vago.
Confissões dos sussurros na floresta que crescia viçosa e indomável dentro da mente ávida.
Se cada uma delas à sua frente deliberasse voz, como suportaria?
E, frente às enfileiradas e muitas desordenadas, finas e grossas, cores e formas todas distintas, frutos diversos, espinhos ou não, frutos ou não, remédios ou venenos, detrimentos ausentes ali, multidão desejando ser povo.
Apenas a floresta.
Não satisfeita com passos passou a correr entre as árvores e os pés rápidos saltavam raízes e galhos como o cervo.
Parou na clareira, o corpo quente transpirava ofegante e no desejo de ser guiada mostrava as mãos, o que não aconteceu, não havia ali pessoa alguma que pudesse guiá-la.
Tinha que guiar a si mesma.
Aquele olhar voltou: o desaprovado, suficiente para o prosseguir em seus passos.
Um sentimento nada apreciado, oposto àquela costumeira paz reclusiva à espinhava e seguia já com expectativa em seus grandes e castanhos olhos. Cautelosamente dava seus passos chegando a quebrar alguns gravetos secos.
Poucos eram os sons e a revoada repentina de alguns pássaros ecoou na brenha fazendo-a parar e viu-se frente à confessora.
Não sabendo o porquê, de imediato a reconheceu.
Parou diante da majestosa e sentiu o cheiro das grossas cascas úmidas.
A solidão ali em pé ao seu lado encorajava a dizer tudo.
Não há quem te impeça!
O anonimato da solidão tinha força de afrouxar a língua.
Fale! Não pense. Apenas fale!
Rompia o silêncio trazendo a crença e descrença.
A dúvida de não saber o segundo seguinte era intimidadora, mas a visão, era como um sopro de plumas.
As palavras vieram aos lábios como sendo jogadas ao ar, como quem sacode um cesto de sementes de todos os cheiros e ervas de todos os tipos, remédios e venenos, curas e ardor de ferida, gosto amargo de vomitar, doçura que faz a língua querer mais e o frescor saciado.
As palavras eram todas para libertar a alma presa e o espírito em pranto solitário.
Voaram como poeira saindo da boca ao redor do rosto, circularam a cabeça e abraçaram a árvore majestosa que liberava seu odor de madeira molhada como um incenso fazendo nuvem à sua volta.
No primeiro som, gemido e não grito e depois a fala.
"Eu me peguei odiando o espelho.
Eu me peguei sentindo crescer repulsa como fungo no escuro.
Eu me peguei desejando o que não era meu.
Eu me peguei odiando simulações de afeto.
Odiando cada vez mais as citações coladas e reproduzidas em massa.
Olhem como é santo e perfeito!
Quem não conseguir amar esse tormento fingido de amor será odiado e repudiado.
Ai daquele que não amar as bandeiras!
Ai daquele que não amar frases feitas!
Ai daquele que ousar dizer que não ama o que todos são condicionados a amar.
E se te disserem que tens que odiar odeie!
E se disserem que tens que amar ame!
Não há mais decisões, sequer escolhas!
Não há mais pensamentos, sequer razão.
A riqueza leve de não temer veio do longo abraço da verdade.
A verdade deu o seu poderoso abraço e pacificamente a esvaziou.
E na floresta as palavras se soltaram e onde irão?
Pois o desejo latente de ouvi-las desde menina era perturbador.
Sentia que as árvores tinham algo a dizer.
Poucos ousaram e disseram tantas coisas a elas e elas altruístas, sem posse de coisa alguma, sem posse de nada que lhes foi dito.
Têm poder e não se apoderam.
As palavras continuam lá onde foram ditas e alguns ouvidos as desejam tanto quanto os cestos de sementes e ervas desejam ser impulsionados ao ar liberando tudo que possuem, ou línguas desejam se mover em bocas a despejar palavras que nunca tiveram o atrevimento de povoar a atmosfera fora da mente.
Nada foi recebido que não tenha sido entregue.
O sentimento de ter recebido foi o alívio de ter entregado.
Sua fala.
Sua dor.
Seu ódio.
Seu amor.
Continua...

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