O sapateiro da rainha


As plantas da varanda estavam muito viçosas
e pareciam saborear a brisa da tarde de primavera.
O baraço espinhento esparramado pelo chão
tentava subir pela treliça e estava coberto de botões das novas flores,
mas a rainha ainda não sabia que flores eram aquelas
e o motivo de serem especiais. 
Ela recebeu com alegria aquela planta,
dada por seu leal amigo, o sapateiro Tom
que inclusive escolheu o lugar e a plantou.
Quando ele veio trazendo aquela trouxa de pano segurando a terra
e dois baraços pendurados, mal podia conter o sorriso.
Suas calças marrons um pouco curtas,
deixavam aparecer suas meias pretas e
os sapatos vermelhos feitos de couro.
Admirando o perfil do jovem entusiasta, a rainha logo percebeu
as marcas de terra nos joelhos do amigo.
O sapateiro Tom era peculiar: cantava
e falava com suas ferramentas,
fazia até caretas e gestos enquanto trabalhava
e sempre parecia conversar com alguém
mesmo estando sozinho. 
Tinha sempre panos de lustrar pendurados nele,
ora nos suspensórios, ora nos ombros ou enfiados no cós das calças.
Examinava todos os materiais que lhe vinham às mãos,
observando por longo tempo e parecia sentir
o que poderia ser fabricado com aquilo.
Na verdade ele fazia longas expedições pelas matas e arredores
procurando ideias que inspirassem novas criações
para calçar os pés de quem precisasse. 
A rainha achava fascinante o dom, o talento e as esquisitices de Tom.
De fato ela o via como artista (e ele era mesmo)
e passara horas em sua pequena casa, na ocasião em que ele
a presenteava fazendo um par de sapatos especiais para dias de chuva.
Naquela manhã fresca em que estava abaixada admirando
os pequenos e abundantes botões esquisitos
que pareciam miniaturas de abacaxis
pendurados na treliça rente ao chão,
sua memória fazia com que seus pensamentos voltassem no tempo
e erguendo-se levantava a fronte a contemplar
as lindas rosas amarelas que floresciam perto do portão.
Balançando a cabeça lembrava do dia em que perdera seus sapatos
e continuava em sua rotina de cuidados com as plantas.
Abrindo sua caixa de ferramentas especiais de jardim,
tomou uma tesoura antiga de podar e
cortava folhas secas, recolhia flores murchas,
revirava uma terrinha aqui e outra ali,
conversava com as plantas e cantarolava.
As muitas horas de cuidado eram retribuídas pelas mais viçosas
e coloridas flores, que enchiam o coração da rainha de amor e serenidade.
Doce rainha que reinava em meio à  exuberante floresta
que pulsava a própria vida e senti-la em
sua total harmonia e equilíbrio trazia paz e tranquilidade,
não só para ela mas para toda fauna e flora abundantes por ali.
O amor da rainha pela natureza ao redor de sua morada
se revelava também no seu encanto de falar com os bichos da floresta
e ela podia sentir o poder das árvores, seus cheiros e seus sons.
Na manhã do dia seguinte a rainha ainda não havia penteado seus cabelos,
nem prendido com grampos, não havia dito em voz alta:
"reino sobre mim" e com certeza ainda não havia saboreado
sua xícara de chá de pêssego (seu preferido).
Surpresa maior foi, logo cedo ouvir a voz do sapateiro Tom à sua porta
trazendo consigo um embrulho esquisito.
-Mimosa pudica: encontrei! Mimosa pudica!
-Tom! O que tu queres? E que palavras são essas?
-Lembras rainha, do teiú que tomou teus sapatos para dias de chuva?
-É ele os tomou e eu estraguei os de veludo azul naquele dia.
Mas o que tem o teiú?
-Mimosa pudica é essa planta que eu te trouxe!
Ainda não abriu os pompons?
- Tom meu querido amigo, dê-me alguns minutos,
voltarei com meus cabelos penteados então conversaremos.
A rainha fechou a porta deixando o sapateiro impaciente
a falar consigo mesmo e entre pequenas risadinhas
ele gesticulava enquanto esperava. 
-É só o teiú encostar e zapt! Oh! Que maravilha, mimosa pudica, ah, ah, ah.
Então apresentando-se devidamente realeza,
a rainha aproximou-se e os bons amigos iniciaram sua conversa,
embora a agitação e entusiasmo do sapateiro e suas palavras um tanto científicas,
tenham dado a rainha,  motivos para tentar acalmar as euforias do amigo falante.
E fazendo sinal com ambas as mãos espalmadas na frente da majestade,
Tom respirou fundo e propôs-se a falar e explicar com detalhes os resultados
de suas expedições e pesquisas, científicas e artísticas descobertas.
Caminhava o sapateiro pela varanda de um lado a outro a falar
enquanto a rainha atenta ouvia e divertia-se muito com o falar empolgante do sapateiro.
-As plantas não tem cérebro ou neurônios,
mas possuem uma sofisticada rede de sinalização em suas células.
Os cientistas afirmam que certos tipos de plantas
são capazes de aprender e memorizar eventos.
A rainha concordava com a cabeça sem entender o objetivo da conversa.
-Quando o teiú tomou indevidamente seus sapatos e fiquei sabendo,
comecei minhas pesquisas para encontrar inspirações
e fazer sapatos para um réptil com cinco dedos pegajosos em cada pé.
Bem, estava eu ajoelhado olhando os pompons cor de lilás
dessa planta de espinhentos baraços rasteiros
e quando toquei-a, ela se fechou, essa mesma que plantei aqui.
Levei uma muda para casa e ao pesquisar vi que se tratava da mimosa pudica
ou não-me-toque ou ainda dormideira, originária da américa central e do sul.
Usando essa planta especial eu pude fazer esses sapatos para o teiú
que ao colocar seus dedos nos ramos da mimosa pudica
ela fechando protegerá seus horrendos pezinhos.
Eles sairão facilmente dos pés, após se cumprirem
os itinerários alimentares do lagarto,
pois como são feitos de planta com memória
e capaz de aprender, o lagarto poderá simplesmente levantar os pés
e aguardar para que o sapato se abra e possa ver novamente seus finos dedos.
Pronto, resolvido!
-Tom, meu amigo você é fantástico! Está pronto?
Quando será a entrega dos mimosos sapatos?
-Nobre rainha aqui estão para que o lagarto os receba de suas mãos
e posso dizer que gostei do nome: mimosos sapatos.
Entregando o embrulho esquisito,
deixou a rainha com um sorriso no rosto.
E naquele dia tudo estava em perfeita harmonia
e a rainha feliz aguardou o entardecer alaranjado
sentada em sua varanda,
num dia verdadeiramente perfeito, estava anciosa
para ver um lagarto usando sapatos feitos de folhas.












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