Quase uma mãe

Alguma insanidade temporária?
Algum esperar sem saber se deve?
É como não saber o horário do ônibus e ir para o ponto com a certeza que uma hora vai passar. Uma hora passa!
Um asterisco para: FALTA DE ORGANIZAÇÃO TRAZ PERDA DE TEMPO.
Nem sei porque dar tanto destaque para isso, é tudo tão óbvio.
Desejo um carro que não vá para trás na paradinha da subida da ladeira.
Mas agora não tenho.
Estou parada absurdamente constrangida pelo medinho que me impediu de subir uma insignificante ladeira.
Mas que bobagem meus amigos!
Onde foi parar minha coragem?
Aquela avassaladora?
Essa que tenho aos montes?
Nem consigo ver através do vidro traseiro.
Está tão embaçado e eu estou me comportando como se fosse natural ter um medinho que deixo ficar maior, assim como se não fosse nada!
Absurdo!
Quero um carro automático!
Quero um Carro automático!
Eu já tinha vencido isso, mas agora, há uma aversão tão constrangedora que eu nem sei se terei coragem de publicar isso.
Preciso de mensagens para mim mesma, que me deixem tão forte e me impressionem positivamente.
Essa covardia momentânea que começou pequeniiiiina, está durando muito tempo.
O tempo de escrever e isso me deixa cansada, minha covardia me cansa.
Atos de minha coragem genuína, podem durar meio segundo e me dar energia e alegria para um dia inteiro.
Momento de espera!
Chuva intensa, eu dentro do carro, esperando os carros passarem e a fila aumentando.
O horário avança e é o momento de maior fluxo chegando.
Escrevo tudo o que sinto como se fosse algo planejadinho.
Como se quisesse mesmo estar ali parada, apenas para escrever o meu parecer sobre uma momentânea covardia.
Então imagino a Dona Covardia bem na minha frente, com uma das mãos na cintura e a outra com o dedo indicador em riste, sinalizando negativamente e me impedindo a passagem, sem nenhum esforço extraordinário.
E eu obedeci e parei.
Percebo-a tão inofensiva e tão cuidadosa comigo.
Praticamente uma mãe!
-Não, não! Não siga! Veja a fila de carros lentos parando na ladeira!
-Lembra o que aconteceu?
E puxou um momento traumático no meu arquivo "morto" vou chamar assim mesmo.
Esfregou-me um defunto nas ventas!
Tão simpática ela!
-Pare o carro e aguarde uns minutinhos, como você fez naquele dia.
Esfregou-me um pequeno êxito nas ventas!
-Em alguns minutinhos tudo estará resolvido.
-Pare ali, pare bem ali!
E eu obedeci.
Parei para deixar fluir o trânsito e não passar outro constrangimento de deixar o carro morrer na ladeira, não conseguir avançar e sendo um problema pra todo mundo.
Enfim, não estou sendo problema pra ninguém enquanto estou parada aqui, todos seguem, menos eu.
E percebo que descobri a roda.
Todas as minhas atitudes são as mais importantes do mundo: Para mim mesma.
Eu poderia estar em casa há bastante tempo e não ter escrito e nem sequer pensado nessas coisas.
Agora estou, de fato, tempo demais por aqui e meu telefone descarregou a bateria.
Poderia colocar uma música ou fingir que alguma ligação importante me forçara a permanecer à margem de todo fluxo.
Respirei fundo novamente olhando a tripa de carros no retrovisor.
Ah não terei coragem de publicar isso mesmo!
É muito constrangedor!
Mesmo depois de assumir publicamente que sou "meia roda", na ocasião que andei quilômetros com o freio de mão puxado e a fumaceira me apavorou junto com a catinga de borracha queimada.
Meus vizinhos me deixam generosas e espaçosas vagas(acho que é medo de mim), pois a baliza tirou férias em algum lugar que eu não tenho mapa.
E agora confesso que sou ruim de pedalinho!
Que subidinha ingrata!
Seria tão fácil se o terraplanismo fosse realmente plano.
Pra quê morros, ladeiras!
Por que os carros automáticos são tão caros!
Bem! Vou me terapeutizar um pouquinho:
Enquanto um dedinho e um conselho covarde me fizerem parar, terei pouco dinheiro mesmo.
Eu acho que ricos não obedecem a covardia nem mesmo antes de se tornarem ricos.
Nem sei que horas são.
Nem sei quanto tempo estou parada aqui na frente dessa ladeirinha de meia tigela.
Quero chamar o pensamento racional pra conversar comigo, mas ele não quer papo comigo.
Os carros estão saindo de todos os lugares somente eu a intimidar-me com esta ladeira estúpida.
Eu te odeio pequena e murcha ladeira, pálida, franzina e mal amada.
Meu plano de falência múltipla dos pensamentos racionais, elaborado em um milésimo de segundo, era o seguinte:
Encostar e esperar quando não tiver carro algum na ladeira e nem atrás de mim, eu arranco e acelero até chegar na parte plana antes da esquina.
Já estou na sétima página do meu caderninho azul de cada dura.
As folhas são quadriculadas e eu nem ligo, ainda comecei de trás pra frente, pura perfeição.
Até que pareceu-me uma boa ideia permanecer escrevendo, enquanto o mundo segue sem obstrução.
E a chuva serve no momento para distrair os transeuntes que não percebem a minha presença.
Tenho suco de uva no carro, vou tomar de gut gut.
Me tranquilizei, um pouco.
Tudo tem um fim.
Até congestionamento, até burrice.
To me achando a pessoa mais burra da face da terra.
Geralmente me satisfaço e aceito minha inteligência mediana.
Mas sei fingir que sou beeeem mais.
Me avalio como leonina e com os aspectos do próprio felino.
Súbitos ímpetos de coragem, atitude de ataque quase insano, lambo minhas próprias feridas.
Minha juba é o sol.
Imponente quando mostra os dentes e um rugido cancioneiro.
Mas na preguiça nem as pálpebras se movem.
Pro leão, não fazer nada é não fazer nada mesmo.
Principalmente quando está de bucho cheio.
Basicamente eu.
Estou escrevendo com lápis que foi mordido pela minha gata,(eu me esforço pra não morder também).
Agora sou um leão covarde, tomei suco de uva e continuo a escrever.
Lembrei do livro "A parte que me falta".
A aventura de viver à procura de algo que não sabe, mas é prescindível.
Como na música do Skank: O caminho só existe quando você passa.
Ou na música do Legião: Mas é claro que o sol vai voltar amanhã.
Bem! Se sair um solzão agora, vai todo mundo pra praia e acaba essa fila.
Eu ligo o carro e subo a perebenta ladeirinha.
O pior de tudo(ou melhor), é que depois de escrever tanto, me pareceu tão ridículo isso tudo.
E eu sei que eu consigo, com fila ou sem fila.
Acho que a lucidez veio conversar comigo agora.
Mas eu fico.
Ainda esperando.
Acho que faz uma hora que estou aqui.
Não estou me entendendo.
Nem sei porquê parei!
E se eu simplesmente ligar o carro e sair?
Ah! Agora não, muitos ônibus agora.
O dedinho dela me mostrando as coisas!
Ela mostra o que eu tô vendo!
Os cegos são absurdamente corajosos.
O cérebro deles mapeia tudo com perfeição.
Como o meu.
Provavelmente evitarei a todo custo passar por aqui novamente.
Minha roupa respingada da chuva já secou.
Acho que vai pra duas horas que estou aqui.
Provavelmente ninguém vai querer ler isso, está longo e chato.
Tenho uma esperança que o tempo cuide de si mesmo e a vida deixe-me ir sem esforço.
É o leão na preguiça falando agora.
Parou a chuva e a temperatura está aumentando.
Baixei os vidros e a brisa refrescante do pós-chuva alegra minhas bochechas.
Todos que passam nem imaginam!
Uma esquisita e adorável senhora, no acostamento escrevendo num caderninho.
Para todos que passam, apenas um Pálio velho indiferente.
Não atrapalhando já tá bom demais.
Tenho a impressão que algumas...
OPS!
Olhei no retrovisor e a fila acabou e na frente tá fluindo bem.
Agora eu vou.
Liguei o carro e arranquei ainda dei uma quase paradinha na medíocre e sem força ladeirazinha e segui com sucesso.
Consegui! Sou feita de absoluta coragem!
Cheguei em casa como se nada tivesse abalado meus esvoaçantes pensamentos, exceto quase duas horas da mais estúpida covardia!

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