MINHA BUNDA

                     A frase do Marlboro

Os dois sentados no pier vendo o sol nascer era cena de filme.
- Foi massa a festa né?
- Ninguém mais chama de festa Theobaldo, é rolê!
- Puts, só lamento, não to nem aí,
pra mim festa é festa e vai ser sempre festa.
-Foi massa sim!
E falando da festa...
É bom voltar o relógio algumas horas só pra entender
a cena de filme desses que começa pelo final.
Ela apareceu no pub com a Clarice bocuda depois da uma.
Se enturmou rapidinho depois de um chopp de meio litro.
O pessoal tava animado porque a banda tava recebendo um
velho amigo, um tal de Théo que tinha chegado da Itália.
A Clarice bocuda ficava enchendo o saco
pra saber se o cara era bonito.
Mas de longe e de costas não parecia bonito não.
Pelo que dava pra ver de longe(um pouco) era careca
e até um pouquinho(de leve) corcunda.
-Clarice não torra eu não conheço o cara, vai lá!
-Eu não! É tudo que conhece todo mundo da banda.
-Ele é gringo?
-Não!Só tem família na Itália, mas morou aqui faz um tempão.
Elas no bate-papo e o pessoal no balcão levantou os copos
pra brindar a chegada do tal de Théo.
A Clarice foi ao banheiro e quando voltou
com risadinha e levantando a sobrancelha falou:
-Não é feio não, tem olho azul! Mas barrigudinho.
-Não enche o saco Clarice, toma teu chopp que tá esquentando.
Fica querendo arrumar o meu lado, arruma o teu!
-Credo eu só disse pra puxar papo, tu és boa de papo que eu sei!
-Eu sou vendedora, eu converso, tá!?
-Tá bom! Nhééu (Clarice tentando imitar gato mostrando as garras).
A banda tocou as velhas que todo mundo adora
e o Jonas, amigo nosso, chegou convidando(na finaleira só tinha baba mesmo):
-A gente ta combinando de ir no pier do outro lado da baía,
a banda toda vai na barca e quem quiser também pode ir, quando chegar perto
 do pier a gente desliga os motores, de noite não tem magnata.
-Qué isso Jojo, virou delinquente?
-Que nada! É o tal do italiano que o pessoal vai levar
pra  curtir o nascer do sol no pier!
-Tá bom Jojo, mas cuida da Clarice bocuda que já viu né.
E foi uns quinze dentro da barca que cabia trinta e
ainda parava pra galera dar uns pulos na água morna da baía.
Coisa de adolescente, só que não!
Ela do nada se viu do lado do Théo e quando se olharam
veio aquele tom de admiração misturado com espanto
e com uns tragos tudo fica melhor ou pior, não se sabe depois das cinco.
-Theobaldo? Tu és o tal de théo!
Ele ficou parado olhando e ela continuou.
-Pena que eu esqueci aquela frase que eu escrevi no maço de Marlboro,
eu te dei no teu aniversário, lembra? Ainda fumas aquela merda?
E o Théo abriu aquele mesmo sorriso de trinta e poucos anos atrás.
-Posso sair de perto mas nunca do teu coração! A frase do Marlboro!
Ele abriu a carteira e tirou aquele pergaminho.
-Ah não! Sem chance, quem guarda um negócio desse?
Eles se abraçaram pra valer, sem economia e
até rolou lagriminha(do Theobaldo é claro).
Não conseguiram conversar muito, só riam
e ficavam olhando pra cara um do outro,
vendo o estrago que o tempo tinha feito.
-Porra Theobalbo tu tá careca, que merda!
-Ah, olha quem fala! Cadê aquele corpinho?-Tu era muito gostosa!
-Vai a merda Theobaldo!
A barca chegou no pier e tudo foi de buenas.
A galera foi dispersando e o Jojo deu uns cata na Clarice bocuda
que tava em Nárnia desde as três, bebeu e enxugou.
-Jojo leva ela até o ap, não deixa na escada não!
-Tá bom! xá cumiago!
O sol tava nascendo e o papo tava nostáugico sobre os tempos do instituto.
-Tu casou com a ruivinha Theobaldo?
-Casei tenho dois filhos! Ficaram na Itália, estão morando com a vó dela. E tu casou?
-Casei, mas não to mais!
-Tens filhos?
-Não, não tive!
-Que loucura tudo isso cára! Nem dá pra acreditar!
Enfim...
Quando os raios de sol trouxeram o dia de presente,
os dois já tinham falado de tudo e todos que a memória e o álcool permitiram.
-Pra mim já deu que já não tenho mais aqueles 19.
-Com certeza, mas tu tá uma cinquentona boazuda!
-Ah é? E tu um careca, barrigudo, cinquentão e safadinho!
Vai cuidar dos teus filhos! Só tu mesmo Theobaldo!
-Nem minha mãe me chama-chamava- mais assim!
Os dois se abraçaram sem economia de novo
e era cena de fim de filme mesmo.
É nesse momento  que começa uma música boa para os créditos finais.
Agora pode ir abrindo a imagem na tela, mais , mais...
O pier, o nascer do sol, a silhueta dos dois sentados, abraçados, lindo!
Tudo perfeito, mas o Théo largou outra:
-É a gente conseguiu ser amigo tanto tempo porque nunca transou!
-Vai á merda Theobaldo!