Crônicas da Rainha

Aquela casa tinha o jardim mais florido e bem cuidado da arborizada rua.
Uma rua de casas escondidas e a maioria delas  camuflava-se perfeitamente entre o matagal
e as velhas árvores barbudas e cinzentas.
Era uma rua de chão batido que serpenteava morro abaixo,
com flores que cresciam espontaneamente nas beiradas
daquelas esquinas inclinadas de pequenos bosques não habitados.
Até chegar na casa branca com janelas de vidros quadradinhos e seu frondoso jardim,
era assim mesmo.
Qualquer um enfrentava os solavancos dos buracos ao longo da estrada.
Os sulcos deixados pelas chuvas pareciam mesmo uma obra de artista contemporâneo
e mudavam seus desenhos a cada aguaceiro.               
Mas quando o sol despertava e seus raios brilhantes clareavam a pequena casa,
ouvia-se um cantarolar afinado, ritmado e sem palavras,
repartindo o tempo com o canto dos pássaros.
Apenas os sons nasais vibravam despretensiosos
e enchiam os pensamentos da senhora mais doce do que o mel das abelhas
que cumpriam o itinerário matinal.
A Senhora Alby
com sua elegância, passeava delicada como a brisa que balançava e
penteava a toiceira de capim-limão e
seus cabelos branquinhos eram vistos de longe embaixo do chapéu largo.
As flácidas e talentosas mãos não descansavam
e todas as plantas do jardim conheciam seu cuidado constante.
Sempre havia um cheiro diferente nas manhãs de primavera
e ao abrir a janela, as pequenas borboletas azuis
a convidavam para um passeio pelo canteiro de margaridas.
Com uma estradinha lateral construída pelas muito insistentes pegadas
de quem desejava as flores mais do que o mel,
o canteiro era fino e viçoso, contornando a casa.
O funcho florido trazia um cheiro doce
e as abelhas não precisaram de convite
para zumbir durante as horas frescas da manhã ensolarada.
Ela parou de contar seus dias
e começou a vivê-los com todo o amor que sentia
pela vida que pulsava à sua volta.
O coração dela começou a amar cada vez mais o silêncio
e as palavras que escrevia passaram a ser suas melhores amigas.
As palavras que lia eram suas melhores companheiras
e as noites de repouso tinham o tempo certo de ouvir a sinfonia noturna dos grilos.
Ouvir os grilos e os ruídos noturnos traziam um repouso mental restaurador
e as muitas lembranças da vida eram escolhidas
como quem escolhe seus filmes preferidos numa tarde chuvosa de domingo.
Numa noite em que a luz da vela chegava ao fim,
sentada na antiga e confortável poltrona ao lado da cama bem arrumada,
uma ideia começou a brotar enchendo seus coloridos pensamentos
e abrindo uma gaveta pegou o seu livro de escritos diários.
As páginas tinham o perfume de suas mãos depois da colheita de macela
e em muitas páginas escreveu sobre as muitas floradas
deixando amostras de diversas flores para que as palavras tivessem muitos perfumes.
Enquanto passava pelas páginas via cada estação e todas as belezas.
Inclinou seu rosto para frente e contemplou o papel para escrever,
então escreveu...
 "Crônicas da Rainha"
Eram as mais belas e encantadoras histórias,
cheias de sons e cores.
Toda página descrevia com detalhes a vida de uma mulher com coração de rainha,
 em meio às belas árvores, flores e ervas perfumadas.
Com esforço constante a Senhora Alby desejava construir um mundo abundante de vida com suas palavras.
E como quem cultiva, dedicava-se, contemplava e sorria.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MINHA BUNDA

Palavras

JARDIM DE MEMÓRIAS