ESPERANÇA

Era uma varanda com portas de correr em madeira,
difícil de abrir e de fechar de tão pesada que era.
Coisa antiga que não se faz mais hoje em dia!
As tardes de sol meio inclinado de inverno faziam luz diferente
e o tempo passava devagar como notas de música lenta,
dessas feitas para ouvir com o corpo esticado na grama
e olhos fechados, respirando tranquilidade
e sem nenhuma coisa na mente a não ser sensação de paz absoluta.
Tudo que tinha brilho, brilhava.
O que não tinha poderia até brilhar dependendo do enredo.
O baú do canto, perto do espelho, continha um verdadeiro universo
pronto para irradiar. Muitos trajes que faziam diversas vidas saltarem
para o mundo com todos os sentimentos disponíveis para quem quisesse sentir.
Um baú de fantasias e roupas esquisitas.
O galo cantando cedinho era sinal de esfregar os olhos e começar
a vida na manhã, com cheiro de café e bolinho de frigideira.
Dois ou três bolinhos no saco de papel era a delícia preferida na hora do recreio.
Uma polenta doce com banana frita também era de suspirar e acabar
de vez com o ronco da barriga. Barriga cheia, criança feliz!
Mas não era só isso! Muitos outros desejos transitavam pelo silêncio esporádico.
Visitas traziam memórias e ás vezes dores.
Até o final da manhã a casa era puro silêncio, mas só até chegarem da escola.
A molecada conversava um pouco alto, um pouco baixo,
uma agitação aqui, uma calmaria ali, como ondas sujeitas à todo intempérie.
Algumas briguinhas também coisa normal, afinal de contas um lar com crianças
de tantas famílias diferentes tinha mesmo seus conflitos rotineiros.
Mas o baú de fantasias guardava sonhos e fazia algumas transformações peculiares.
Nas tardes depois da escola a varanda virava palco e o espetáculo
era emoção de todo tipo.
Bastava entrar no vestido com tecido delicado
e flores miudinhas cheio de babados e rendas,
e zás! O mundo tinha de novo uma Mary Shelley ou uma Jane Austen
com sua touca esquisita e todos os dramas.
Vestir um traje diferente era o mesmo que sonhar um sonho diferente!
Também ficava mais fácil de aprender e criar, imitar e ensaiar para a vida.
O baú bem que poderia ser chamado de elixir da fantasia ou da felicidade.
O paletó já tinha dono e todo mundo sabia.
As crianças que já estavam mais tempo na casa esperando nova família,
conheciam a dor da chegada e os dias que pareciam longos demais
pra conseguir sarar a alma.
O Lélio que quase nem falava, vestia o paletó e
subia aquele morrinho da árvore que todo mundo amava.
Naqueles dias que o Lélio tava triste demais,
ninguém brigava pelo balanço e ele sentava no balanço de pneu
e ali ele balançava, balançava e sonhava.
Talvez um dia, ter uma nova família, ser amado, quem sabe?
A dor de não ser amado era forte demais às vezes e ele se calava.
Quando se ouvia falar que era a hora do café da tarde,
todos já se moviam, tiravam os trajes, mas continuavam vestidos de seus sonhos.
Foi quando a Jane Auten de mentirinha perguntou:
- Por que tu sempre usas esse paletó?
Não sabes brincar de outra coisa, só de paletó?
- É que o cheiro é parecido com o cheiro do meu pai!
Então...
A luz do entardecer testemunhou um abraço fraterno,
entre pessoas com almas quebradas, que, pelo amor
tentavam colar seus começos e suas esperanças...
-Vem comigo Lélio, não precisa tirar o paletó!









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