de volta à salvo

Quando aquele som de piano tocou seu coração, ela chorou.
Era uma cena de quadro antigo:
seu rosto inclinado e suas mãos tocavam no vidro da janela e
quase não tinha forças para olhar quando ele partia.
Aquela melodia permaneceu em sua mente
por todo aquele dia trazendo a imagem dele indo embora.
Uma tão delicada jovem, seus cachos pendiam na testa
e sobravam em volta do pescoço,
por causa do coque não muito firme.
Um pouco solitária e apegada à família e à casa também.
Não falava muito quando estava triste, mas, em dias felizes
de longe se ouvia seu riso esquisito que sempre terminava
agudo e provocava mais risadas alheias.
As rosas que cresciam bem cuidadas no jardim lateral,
eram vistas de todas as janelas dos quartos,
e não estavam abertas no dia em que a saudade
enfim, começou a nascer devagarinho.
As manhãs tem um poder celestial, não importa o quão velha seja a dor,
as manhãs podem desfazê-las a cada segundo.
Respirando fundo e bem devagar ela abriu as janelas.
Com seus movimentos tão delicados passou no armarinho,
pegou a sexta com as luvas e suas ferramentas
preferidas que ele havia presenteado.
Passeou um pouco pelo roseiral antes de escolher algumas
das mais belas. E colheu: amarelas e brancas, sua preferidas.
Pensava sempre na sua grande amizade e ver seu irmão indo
para a guerra foi uma das suas maiores dores.
Só aguardava que o nascer do sol também o trouxesse de volta a salvo.
Tudo que jamais desejou foi ver a dor no rosto dele,
pois lembrava das brincadeiras, de seu sorriso largo e seus lábios finos.
Amor entre irmãos é puro e celestial também,
assim como o cuidado que ela tinha com os velhos pais
que não choravam na frente dela, mas sempre olhavam para o portão
na espera solitária. Assim estavam aqueles três corações.
Ela escrevia longas cartas sem saber quando seriam lidas.
Só desejava em seu coração um pouco ingênuo,
que outras famílias não experimentassem aquela dor.
Desejava outros meios de resolução, sem mortes ou perdas de lucidez.
Existe o bastante para todos, ela pensava.
Sua mente imaginava como seria o futuro e sonhava com nações
que acreditassem em palavras de honra,
com acordos que não exterminassem a discordância,
mas que o respeito à vida estivesse acima da supremacia de opiniões.
Doce alma solitária que incansavelmente escrevia esperando respostas
oriundas do prélio  doloroso e distante.
Seu coração não desejava e seus olhos não queriam ver...
Uma realidade de tantas outras famílias...
Receber uma bandeira dobrada solenemente ao invés do abraço do jovem que partiu!





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