O baio

Manhã nublada.
Todos os pinheiros pareciam mergulhados em fumaça branquinha.
Tudo em volta da casa parecia meio apagado.
O muro de pedra no fim do pasto, quase nem dava pra ver.
O cachorro passou a noite latindo e ninguém sabia o motivo.
Mas tinha um curioso que deu muitas espiadas
pela fresta da cortina durante a noite.
Ele queria mesmo saber se o baio tinha voltado.
Foram tantas histórias que ouviu.
Tinha que ter certeza.
Algumas noites sempre o  faziam lembrar e corria para
aquela caixa. Era tão velha que até soltava pedacinhos da tampa!
Ficava sempre escondida, mas ele a visitava sempre.
Naquela manhã cinza e meio branca,
enquanto a vó tomava uma xícara de café,
passava ele rapidinho esbarrando na cadeira.
Escondia coisa embaixo da blusa e
a vó mais que depressa segurou o malandro pelo braço:
-Que tens aí guri?
-Nada vó!
Liso feito bagre, escapou dos dedos enrugados da velha.
Essa era danada pra saber de tudo.
Vivia seus preciosos dias, saboreando momento por momento,
como uma boa xícara de café, um pouquinho de cada vez.
A ladineza da vó servia muito bem pra vigiar o guri,
que não arredava o pé sem o olho arregalado de queixo levantado,
bem do jeito dela mesmo, um olhar espichado.
Aquele galego ali...
Esperto era pouco!
Sempre conseguia sumir sem ninguém ver e
difícil era saber onde tinha se enfiado.
Andava feito detetive naqueles matos em volta da casa,
procurava pistas e escrevia tudo num caderninho.
Chegava em casa na boca da noite e o caderninho escondido,
mas de noite ele abria a velha caixinha.
Fazia cabana com a coberta e a lanterna pra ver os retratos.
Cada imagem falava com ele sobre o passado,
sobre os baios que povoavam as matas,
respeitados e cuidadosamente protegidos pelos poucos moradores
daquele lugar. A vegetação abundante e a vida correndo solta pelo mato
e os baios que se deixavam ver.
As fotos antigas do avô que protegia e amava os animais eram sua inspiração
e esperança para, quem sabe, um dia poder vê-los de novo.
O leão baio que aparecia em algumas fotos
fazia o coração dele bater mais forte.
Não sabia o motivo de não serem mais vistos
e a saudade do avô se misturava com a tristeza de não ver
nem de longe aquele animal tão belo.
Pensava sempre consigo:
-Tanta bicharada por aí, mas o baio eu nunca vi!





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