Enigmas Faciais

-Pára de fazer esse barulho!
-Não posso, tô comendo cereal,
vai doer se eu engolir inteiro!
-Coisa chata, pelo menos fecha a boca
pro barulho ficar menor!
-Pode deixar, amanhã eu como as tuas
bananas que não fazem barulho!
-Coloca a tigela na pia!
E num movimento meio exibido,
pegava a mochila pendurada na cadeira,
colocava uma das alças no ombro e
a tigela rapidamente dentro da pia.
Movimentos desastrosamente perfeitos,
como um regente de orquestra.
-A mãe disse pra não chegar tarde,
amanhã a gente vai lá na vó!
E antes de sair deu uma passada no espelho do corredor
e ouvindo a recomenda sacudiu seu cabelos finos e curtos.
Dando uma ajeitada na blusa fez uma careta
que escondia os dentes grandes, piscando um olho só.
Na pressa de pedalar saiu sem fechar o portão e
acelerava pra fazer vento forte no rosto.
Tantas folhas caiam das árvores,
que na aventura de pegar algumas,
soltava apenas uma das mãos e se esticando, tremia.
Balançava a cabeça desaprovando
o movimento meio torto e ria de si mesma.
Faltava a perícia e o equilíbrio então, passava longe.
Ela sabia do seu pouco dom no comando das duas rodas,
mas nem se importava muito com isso.
Seus olhos castanhos sempre procuravam surpresas maiores.
Quando entrou no parque, a natureza imediatamente
a envolveu em felicidade simples e saúde de pensamentos.
Recebia na alma sensações, expectativas e um sentimento de estar em casa.
Pronta pra saber o que tinha acontecido durante a semana,
já foi encostando a bike na parede do galpão das ferramentas...
-Oi seu jorge!
-Oi Rute! Como foi a semana? Tudo bem na escola?
E a resposta foi outra careta sem tradução:
Algo como uma cara de babuíno juntando os lábios
empurrando o queixo pra baixo junto com as sobrancelhas e os olhos,
virando o rosto um pouco pra baixo e de ladinho.
Seu Jorge já conhecia a figura e rindo, balançava a cabeça
mesmo sem entender tantos enigmas faciais.
Com o balde cheio de frutas picadas, seu Jorge foi contando as novidades
e os pulinhos animados da menina, demonstravam todo seu entusiasmo.
-Faz três dias que esses chegaram, ontem começaram a aceitar a comida!
-Por quê um tá barrigudo? Comeu demais?
-Não Rute vai ter filhotes!
Ela encostou o rosto na grade e olhando atenta,
tentava decorar todos os movimentos dos bichinhos e suas expressões.
Então foram seguindo a trilha do parque pra dar comida aos outros.
Embora amasse estar ali e os amava,
ela sabia que era a melhor notícia quando os animais se recuperavam
e voltavam para a natureza.
E foi correndo atrás do seu Jorge gritando:
-Como é o nome desse macaquinho seu Jorge?
-Sagui Rute, é sagui!
Foi seguindo, dando pequenos pulos alternados ao som de sua imaginação
e tentando imitar os recém chegados.
Passava o dia que mais amava
enchendo o velho Jorge de perguntas mais ligeiras do que os saguis.
Esse dava risadas altas por causa da pressa que a guria tinha pra falar.
Orgulhosa de tanto amor pelos bichos,
nem via o tempo passar e suas emoções naturais vertiam
com todos os sonhos mais puros e nobres que a
infância tem para dar.
Chefiando com dom de bondade dizia seu Jorge:
- Vai dar comida aos cágados Rute!
E foi cada um pra um lado.
E de longe, gritou o velho jorge:
-Só não vai errar o acento, ha,ha,ha!
A Rute deu paradinha pra pensar na piada sem graça
e balançando o balde já fazia cara de sagui.
Mas era só pra ensaiar e fazer depois como resposta
pra alguma pergunta que ela não quisesse responder.






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