Janela de trás

Olhava atentamente, nem piscava.
A grama estava branquinha da geada
e ela embaçava o vidro quando respirava
encostando a testa na janela.
Preferia sempre a de trás.
Tinha uma árvore de tronco gordo que pareciam, de longe,
muitas pernas enroladas umas nas outras.
Como suas raízes vultosas se misturavam confusas,
não dava pra saber o que era raiz e o que era tronco.
Esconderijos perfeitos em suas dobras guardavam muitos
segredinhos e mistérios desconhecidos aos desatentos.
Era a mais bela de todas as árvores da redondeza.
Tantos ralados e arranhões deixados nas pernas magrelas
que já se conheciam por todos os sinais.
Mas ainda que frondosa, deixava passar por ela
os primeiros raios de sol da manhã.
Eles com pressa beliscavam o chão e brincavam
concorrendo passagem pela abundancia de galhos e folhas.
Depois de desenhar um coração numa rodela de bafo,
abriu a janela de trás para sentir o cheiro do amanhecer.
Mas a curiosa queria mesmo é saber quem chegava, antes dos outros.
A estrada passava atrás da casa e atrás da árvore enrolada.
Mas naquele dia não chegou ninguém tão cedo.
Também, o sorrisinho ardil escondendo os lábios já planejava.
O rangido das tábuas foi um bom aviso pra mãe
que já deu recado sonoro:
-Arruma a cama antes de descer!
-Tá bom!
E foi arrastando os pés e entortando a boca pro lado descontente.
Engoliu a rosca e bebeu o leite, fazendo barulho de bezerro!
A mãe não contou tempo:
- Pra quê essa sangria desatada guria, engole direito!
Mas já tinha visita que ninguém sabia.
Correu descalça pelo pasto até a enrolada e subia feito lagartixa.
Mas do alto a outra voz que ouviu  fez o olho arregalar.
-Pensas que eu não sei é?
-O quê pai?
-Não bota a mão nos ovinhos, porque senão a mãe não volta mais.
-Tá bom pai, eu sei!
Só ver de longe já dava alegria,
mas a curiosa queria mesmo é que chegasse a hora
de ver os passarinhos!

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